
Coluna publicada na edição impressa do dia 06/03/2025
Essa semana, vamos falar de duas coisas: primeiro sobre o filme Ainda Estou Aqui ter vencido a categoria do Oscar de Melhor Filme de Língua Não Inglesa e, segundo, sobre como o filme nos mostra que a memória da ditadura militar em nosso país ainda deve e precisa ser recordada.
O que podemos tirar da vitória de Walter Salles, junto a Fernanda Torres e toda a equipe e trabalhadores que participaram do filme, é que mais do que receber um prêmio merecido por todo o trabalho empenhado, a gente vê o retorno do Brasil à categoria de Melhor Atriz desde 1995, quando Fernanda Montenegro foi indicada por sua atuação em Central Brasil, também sob a direção de Walter Salles. A memória ainda é vivida e vemos ela se repetir, se observamos que, mais uma vez, um filme que seria de romance tirou o Oscar de Fernanda, agora duplamente. A atriz Mikey Madison ter vencido, encara o que A Substância quis mostrar. Em termos técnicos e atuação, Fernanda Torres desempenhou emoção e força na sua interpretação de Eunice Paiva, mulher a qual demonstrou não se abalar, sendo símbolo de resistência e força após ter seu marido levado por militares e, posteriormente, morto. Anora é um filme sobre uma jovem stripper que conhece o filho de um oligarca russo, ao qual eles se apaixonam e embarcam em um romance improvável. A história é um conto de fadas às avessas, porque o final não é glamuroso. O fato é que Anora é um filme sobre uma história já conhecida a qual não retrata a personagem principal com empoderamento, mas sim, como uma vítima de um sistema que impõe jovens a este mundo sexualizado por falta de oportunidades, mas que no fim não conta nada além disso, pois no final ela é salva por um homem agressivo. Este contraponto entre as três atuações, mostra que a Academia ainda é contaminada por essas ideias de premiar e valorizar jovens em filmes com histórias fracas em certos pontos. Além disso, o filme é explícito com cenas sexualizadas, ponto este que é reforçado o filme inteiro.
Voltando a Eunice Paiva, temos a recordar que a Ditadura Militar foi ontem, praticamente, e a memória de muitas vítimas ainda está meramente esquecida. Muitas mães, pais, esposas, filhos e filhas tiveram a dor de perder seus entes queridos, após serem levados por militares por estarem contra um governo opressor e agressivo. A Ditadura Militar completa neste ano, 61 anos de sua existência, 20 anos que ela se manteve em vigor. A verdade só ressurge quando a Comissão da Verdade é instalada em 2011. Se não fosse a Comissão da Verdade, não teríamos hoje Ainda Estou Aqui.
Aqueles que levaram, torturam e mataram Rubens Paiva ainda estão livres, com o direito a anistia que lhes foi dado por um Estado que se diz democrático, mas que permite ideias golpistas, opressoras e autoritarismo junto a anistia a aqueles que cometeram crimes de ódio contra os direitos humanos. Recordar é preciso, assim recordamos que, em 61 anos, todo o ódio, agressões, violações dos direitos humanos, a Ditadura Militar ainda resiste para aqueles que sonham com sua volta para poderem possuir o poder de roubar e torturar. Querem enganar um povo inteiro em prol de si mesmos, além dos privilégios que tantos militares ainda possuem. Ainda Estou Aqui é a memória de que sempre estaremos aqui para recordar e mostrar que a verdade é mais forte do que qualquer mentira ou ilusão contada por aqueles que vestem verde oliva e com estrelas em seus ombros, se dizem superiores a tudo, e acima disso, estariam acima da lei. A vitória de Walter Salles é o triunfo do Brasil perante o cinema internacional, mostrando que temos histórias a contar, e que todo esse potencial pode e deve ser visto por todos. Mesmo que Fernanda Torres não tenha levado o Oscar de melhor atriz, a memória de Eunice Paiva e de Rubens Paiva chegou a milhões de pessoas como um recado de que nunca iremos esquecer porque ainda estamos aqui.
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