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“As novelas são muito importantes no Brasil. Sabe por quê? Primeiro porque elas são boas e temos ótimos autores desde as décadas de 1970 e 1980. Ótimas novelas, elas fizeram os brasileiros aprenderem a assistir a si mesmos em português. Elas foram importantes por nos fazerem viciados em nós mesmos e pra que a gente não fosse tão colonizado por culturas estrangeiras.” 

Esta é a fala numa recente entrevista de Fernanda Torres, 59 anos, brasileira premiada com o Globo de Ouro 2025 como melhor atriz por sua atuação no filme ‘Ainda Estou Aqui.’

Por muito, muito tempo o que se consumia como entretenimento no Brasil eram os filmes norte-americanos produzidos pela poderosa Hollywood. Através deles aprendemos que os indígenas eram sempre os vilões que os ‘mocinhos’ deveriam executar; que é aceitável perseguir e matar alguém por vingança ou fazer justiça com as próprias mãos, desde que haja um ‘bom motivo’; que qualquer ato se justifica em nome do amor idealizado; que existem ‘finais felizes’...

Sim, éramos colonizados mentalmente com histórias que levavam a pensar que tudo que vinha dos EUA era exemplo para nossa vida pessoal e coletiva; que tudo que vinha de lá era melhor. Esta cultura americanizada, com modos de vida próprios tem um alcance tão grande que nos acostumamos a copiar festas de Natal com objetos, cartões tendo como principal personagem um Papai Noel vestido com pesadas roupas quentes, além de paisagens cobertas de neve, apesar do forte calor enfrentado por nós aqui nos trópicos em festas natalinas. Copiávamos inclusive os alimentos de países frios para tal data.

A influência do cinema norte-americano faz com que se festeje no Brasil o ‘dia das bruxas’, o tal Halloween, enquanto se ignora solenemente o folclore brasileiro, que detém um farto e rico conjunto de mitos, lendas e personagens que não devem nada aos estrangeiros. E o gosto por filmes de terror e por desenhos animados – estrangeiros; em que sangue, brigas, destruição e aniquilação de inimigos são preferidos no Brasil? Não por acaso somos o país campeão em número de crianças, jovens e adultos com ansiedade...

O surgimento das telenovelas nos anos 1950 foi devagarinho ocupando um espaço antes inexistente: o de histórias e personagens tipicamente brasileiros, mais perto da vida como ela é. A partir dos anos 1970 a TV popularizou-se e programas de auditório feitos aqui e as chamadas novelas caíram no gosto de um Brasil que até então não se enxergava nas histórias contadas por programas estrangeiros. Seriados e minisséries baseados na literatura brasileira marcaram uma época e ilustraram o brasileiro de norte a sul do país.

Se em 1970 apenas a novela Irmãos Coragem entrava nos lares com uma história cativante, hoje várias novelas ocupam vários horários para todos os gostos. A maioria dos mortais não tem acesso aos espetáculos de teatro, concentrados no eixo Rio-São Paulo ou nas capitais. Esta ausência na vida de muitos brasileiros foi ocupada pela teatralidade ou personificação presente nas novelas. E se este formato de entretenimento se multiplicou é porque ele é bem feito.

Muitas novelas não agradam ou não se conectam com o público, mas elas continuam mostrando paisagens e personagens nossos. Sendo boas ou ruins, elas não precisam de tradução, pois são criadas à imagem e à vivência de um país que, mesmo com variantes regionais marcantes, fazem parte do mesmo chão brasileiro. Enquanto o teatro for para poucos, é o que temos mais próximo disso.

Há quem considere nocivas todas as novelas. Perdem de assistir a elas para poder avaliar e criticar, lembrando que não precisamos acreditar nelas – posto que são ficção. Nada como a diversão e versão em nosso próprio idioma, o enredo em nosso cotidiano, as paisagens em nossos sertões, campos e cidades. Sem dublagem.

Quem quer ser colonizado? É precioso ouvir que assistimos a nós mesmos em português, que ao apreciar novelas ficamos viciados em nós mesmos e, principalmente, que não queremos ser colonizados por culturas estrangeiras. Não a brava gente brasileira.


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