
Acordo cedo, ainda está escuro. Minha esposa e minha filha recém-nascida ainda vão dormir bastante. Hoje é dia longo, dia de voltar tarde, dia de muito trabalho. É final de semana, é Parada Geral. Um volume imenso de trabalho, uma quantidade de pessoas sempre aquém do necessário e um tempo curtíssimo de execução. É, não há trabalho mais intenso que uma Parada Geral.
Estamos em 2004. O mundo está mudando freneticamente. Com a criação do Facebook, YouTube e Orkut, os relacionamentos nunca mais seriam os mesmos. Com a segunda revisão da NR-10 e sua efetiva obrigatoriedade, a Segurança em Instalações e Serviços com Eletricidade também nunca mais seria a mesma.
Para nós, Otacilienses, tinha poucos anos que a Klabin havia assumido os negócios da Igaras (antes Manville, Olinkraft), trazendo consigo uma nova cultura e novos procedimentos.
Os tenebrosos tempos em que os trabalhos em fábricas transcorriam sem a devida segurança, em que empresas “tinham” funcionários sem os devidos registros, em que limites de horas e de pesos não eram respeitados, em que os trabalhos em altura eram uma verdadeira aventura — estavam ficando para trás. Os tempos sem os devidos bloqueios, sem os diálogos de segurança, sem a linha de vida — também estavam ficando para trás.
O tempo de ficar 70 horas trabalhando numa fábrica, de se machucar e continuar trabalhando, de amarrar escadas no teto dos carros... precisava ficar para trás. Os improvisos, idem. Era chegada a hora de levar a sério a industrialização do Brasil.
É verdade que só o trabalho dignifica. Nunca duvidei disso. Mas tínhamos de estipular algumas regras.
Aquele momento em que você e mais um ou dois colegas contemplam o trabalho concluído — não qualquer trabalho, mas aquele impossível de ser feito por tão poucos, aquele que realmente precisava ser feito e o foi —, aquele que, ao final, todos, em silêncio e com um pequeno sorriso, acendem o cigarro. Após a primeira tragada, a exclamação: “Fomos bem.” Ah! Isso é fantástico! Isso é trabalhar! Não há como descrever essa sensação de dever cumprido. Não que hoje esses momentos não existam, mas é que agora fica chato fumar em ambientes fechados.
Voltemos a 2004. Dezenas de trabalhadores ficaram de fora. Dezenas de empresas deixaram de existir. A exigência de um mínimo de racionalidade foi demais para muitos.
NR-10, NR-35, NR-33... é óbvio que eram mais do que necessárias. Mas os que estavam atrelados a um passado aparentemente menos custoso as odiaram. Para outros, bastaram uma certificação ISO 9001 e, dez anos depois, este que agora escreve já havia coordenado mais de 180 preventivas, em mais de 50 clientes: ah... não há trabalho mais divertido que uma Parada Geral.
Infelizmente, os últimos anos me afastaram dessas atividades. Confesso: a saudade é grande. Inclusive, nesta semana em que Otacílio Costa comemora seus 43 anos, ela está muito mais interessante devido à Parada Fria que ocorrerá neste próximo final de semana.
São milhares de pessoas que estão na cidade com o único objetivo de auxiliar em trabalhos que só podem ser executados nestes dias — alguns, em algumas horas de um único dia. Ou terão de esperar o próximo desligamento: não há nada mais corrido que uma Parada Geral.
Me permita, querido leitor, continuar com o saudosismo — prometo não transformar isso numa regra. Contudo, preciso exemplificar essa transição de costumes e o que me vem à lembrança é um livro que li quando criança, chamado: Minhas Caçadas na África. Na última frase do livro, triste, melancólico e até talvez sentindo-se um pouco culpado, o autor assim o terminava:
“Não foram só as caçadas dos grandes felinos que acabaram. A África morreu e eu a vi morrer.”
Bom, nem triste nem melancólico, posso dizer que — felizmente — a insegurança extrema e desnecessária, que era o padrão dos trabalhos com eletricidade quando comecei, em 1995, acabou. E eu vi acabar.
Em tempo: Feliz aniversário, minha florzinha. Papai te ama muito.
Do tempo em que eu tinha uma caixa de ferramentas com os dizeres “Pai da Laís” até agora, muita coisa mudou. Mas a segurança que você me trouxe nos momentos em que eu estava mais cansado, sempre foi a mesma. E é isso, afinal, o que realmente importa: saber que, mesmo nos dias mais longos, sempre há uma razão para voltar.
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