
Coluna publicada no dia 3 de abril de 2025
Tarde de domingo, eu tinha um texto para escrever, um café para fazer, uma mesa para preparar. De repente... Havia um dia lindo lá fora me chamando: sol, temperatura agradável, folhas das árvores em gostoso balanço, vento suave, cadeira na sombra para sentar e contemplar tudo isso. Ah, ainda havia o canto dos pássaros.
Acostumamos a deixar para depois o que nos faz repousar, observar, contemplar. Ah, o mundo, este que nos quer ligados, acelerados, apressados e, por consequência, cansados e estressados.
Na obra ‘Eu sei, mas não devia’, Marina Colasanti adverte que a gente se acostuma com muita coisa que não deveria: “A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. E cansado, deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.”
Sobre morada, a autora diz: “A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora, a não abrir as cortinas, a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.” “Se acostuma a não ouvir passarinho, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.”
Nas relações pessoais, Marina fala da sensação de não ser percebido ou ser desconsiderado a que muitos se acostumam: “A gente se acostuma a sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.”
Quanto ao consumo, diz: “A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita e a lutar para ganhar dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.”
“A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer, para poupar a vida. Esta que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde em si mesma.”
Então é preciso desacostumar e parar para viver aquele momento inteiro, perfeito, apesar de simples. Tão simples que é fácil passar despercebido. Vários momentos assim nos esperam todo dia, mas não temos tempo e espaço para vivê-los. Eles precisam ser buscados assim como nos preparamos para o necessário e saudável trabalho, embora ele não possa ser tudo que nos absorva.
Então saí. Como adiar aquele momento? Por que não vivê-lo? E depois, como não amá-lo? Não dá para deixar a vida para ser vivida no fim de semana, no fim do mês, nas férias. Até lá ela se consome, se perde. Até lá pode ser muito, muito tarde.
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