logo RCN
Imagem principal

O Castelo do Cabra Arretado: Instituto Ricardo Brennand

Coluna publicada no dia 05/06/2025

O que uma criança, que ganha um canivete de presente do pai, faz quando se torna um bilionário? Que pergunta mequetrefe! Vamos começar de novo.

Por 30 anos (1624–1654), os holandeses deram as cartas em Pernambuco. As marcas dessa passagem estão por toda parte, seja na infraestrutura, na cultura ou na quantidade de loiros com olhos claros castigados pelo sol que vemos por aqui. Um pintor dessa época, que acompanhou Maurício de Nassau, ia ter uma mostra de suas pinturas expostas no Brasil em 2002. Só que restrita ao eixo Rio–São Paulo, visto que o Nordeste não tinha um local apropriado.

Agora imagine que você é um pernambucano arretado, daqueles que têm uma escultura de madeira, em tamanho natural, do Ariano Suassuna e outra do Rei do Baião, Luiz Gonzaga; e ficasse sabendo disso.

É quase como acontecer uma mostra da imigração alemã e não passar por Blumenau, ou da imigração italiana fora de Antônio Prado. Na verdade, é pior, porque os holandeses se aliaram aos tapuias e outras tribos e tocaram o terror por aqui até serem expulsos. Tanto que, em 2017, o Papa Francisco canonizou alguns dos massacrados durante essa ocupação.

Viu só? É claro que você não iria gostar de ouvir uma notícia dessas. Ainda mais sendo um colecionador, filantropo e com R$ 3 bilhões na conta. Então, o que você faria? Isso mesmo! Você criaria um museu com condições de receber o tal acervo. E sem fins lucrativos, é claro. Manteria aberto ao público, com missas aos domingos, mas, principalmente, abriria para as crianças em idade escolar saberem um pouco mais da própria história delas.

Eu sei que parece estranho. Todo empresário, para nós, brasileiros, é um capitalista safado que só pensa nele mesmo. Contudo, Ricardo Brennand (morto em 2020 de covid-19) desbanca com folga essa teoria. E, por favor, faça um favor a você mesmo: visite, ainda que de forma virtual, o Instituto Ricardo Brennand (https://www.institutoricardobrennand.org.br/) e conheça um pouco mais sobre ele.

Já fazia algum tempo que eu não vinha a Pernambuco, porém, mesmo por outros meios, jamais tinha ouvido a respeito desse museu, que já foi eleito duas vezes o mais importante da América Latina. São mais de 4 mil itens de armas brancas. Tem castelo, tem igreja gótica, tapetes imensos, pinturas, livros originais, cavaleiros templários... É incrível! E muito mais bem descrito na placa afixada na porta pelo ex-vice-presidente Marco Maciel (é claro, outro pernambucano).

Tem presas de elefante gigantes, esculpidas por chineses, armas dos mongóis e estátuas de D. Quixote. Plantas da cidade de Recife feitas pelos holandeses e pintura da Praça de São Marcos, na Itália (segundo Napoleão, a mais linda do mundo). Tem o manifesto original de 1646, feito pelos portugueses para mobilizar a opinião pública pela expulsão dos holandeses, e outros livros da época. Tem relógios e, claro, uma coleção imensa de canivetes.

Confesso que levei mais tempo para escolher uma imagem para esta coluna do que para escrevê-la. Contudo, tem uma escultura de madeira que, de um lado, é a Margaretha e, do outro, o Mefistófeles (aqueles do poema do Goethe – Fausto). Ela, com os olhos baixos, tadinha, a pureza sacrificada pela ambição alheia; e o demônio, com aquela expressão arrogante e tentadora. A escultura está perante um espelho, o que a torna ainda mais intrigante.

Temos de conversar algum dia só sobre essa dualidade entre o que é puro e o que é tentação, mas tive de deixá-la como imagem desta coluna! Pensei em quantas vezes o Ricardo, que ao fim e ao cabo é só um homem, foi tentado pelo Mefistófeles para nada de útil fazer à sociedade. Em quantas vezes duelou consigo mesmo em, não sendo nem uma vez candidato a nada, tornar-se efetivamente um homem público.

Enfim, não tem como olhar o mundo da mesma forma depois dessa experiência. E nem sei dizer se pelas obras ou pela atitude de Ricardo Brennand. Ele não só proporcionou um legado, como o fez ao público em geral. Não só entendeu a importância da educação, como se esforçou para difundi-la — algo infelizmente raro por aqui.

Bom, meu irmão já deu um canivete de presente para meu filho, mas vou comprar mais um, só para garantir.


UM VÍCIO QUE CHAMAM DE DIVERSÃO Anterior

UM VÍCIO QUE CHAMAM DE DIVERSÃO

Artesanato de costura em tecidos é tema de curso no Cras Próximo

Artesanato de costura em tecidos é tema de curso no Cras

Deixe seu comentário