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Quando um batom vale mais que mil sentenças

O domingo, 6 de abril, foi mais um daqueles dias que têm o potencial de entrar para a história política brasileira. Mas não devido aos principais nomes que estiveram lá. No teatro político da Avenida Paulista, onde cada gesto foi coreografado, cada imagem foi milimetricamente calculada e cada palavra pretendeu ecoar além do concreto. Foi um objeto pequeno, inofensivo e rosa, que roubou a cena: um batom. Mas não qualquer batom. Era o batom que simbolizava o batom de Débora — a cabeleireira que, no dia 8 de janeiro, citou um ministro do STF e escreveu “Perdeu, mané” na estátua da Justiça, sendo condenada a 14 anos de prisão.

Na mão de Michelle Bolsonaro, erguido no alto do trio elétrico, o batom se transformou em um artefato simbólico e no estandarte de uma narrativa em plena construção. Ao homenagear Débora, Michelle não somente defendeu a anistia — ela inaugurou um símbolo emocional e político poderoso, algo que, sem exagero, poderá ser lembrado nos livros de história como o nascimento de uma nova figura mitológica da política brasileira.

O gesto, porém, era maior que o batom. Isso porque Michelle não glorificou o objeto: glorificou a mulher. E, com isso, desferiu um golpe profundo na narrativa da esquerda. Débora não é elite, não é herdeira de ninguém, não ocupa espaço de poder. É mãe, periférica, profissional da beleza — uma brasileira comum, o retrato vivo da classe que a esquerda sempre disse representar e proteger.

Ao silenciar diante da pena desproporcional e ao bater palmas para o espetáculo punitivista do STF, a esquerda entregou de bandeja sua personagem mais potente ao campo adversário. E Michelle soube aproveitar. Com o sorriso de quem sabe ler o jogo, entregou ao Brasil uma nova mártir, envolta em um arco narrativo que o bolsonarismo vem construindo como ninguém: o do cidadão comum oprimido pela máquina do Estado. É isso que faz da cena do batom algo muito maior do que parece. Porque em política, o que mais importa não é o que se vê — é o que se sente. 

E enquanto o Supremo se engessa na liturgia da toga e a esquerda se embriaga de silêncio diante dos excessos que antes condenava, a direita pinta o novo símbolo com cores emocionais e simbólicas.

A história está cheia de momentos assim. Pequenos gestos que acendem grandes movimentos. Rosa Parks não liderou passeatas. Ela apenas permaneceu sentada em um ônibus. E, com isso, fez levantar um país inteiro contra a segregação. Não cabe aqui comparar lutas — seria injusto com ambas. Mas é inevitável perceber a mecânica do símbolo: um gesto simples, de uma mulher comum, se tornando catalisador de forças maiores do que ela própria. O mesmo pode estar acontecendo agora. 

Débora não é a líder de um movimento. Não escreveu manifesto, nem discursou. Mas virou bandeira, porque o sistema que deveria garantir justiça preferiu dar o exemplo com o peso do porrete, e não com a medida da razão. A pena que ela recebeu não puniu o crime: construiu uma heroína involuntária.

Enquanto isso, o STF, que deveria ser o ponto de equilíbrio institucional, caminha perigosamente rumo à canonização da exceção como regra. Com decisões que atropelam o devido processo legal, censuram, prendem antes de julgar e julgam antes de ouvir, a Corte virou personagem — e das mais radicais.

O perigo é que isso coloca o Brasil à deriva de narrativas sólidas. A esquerda já não sabe mais onde se ancora, a direita aprendeu a emocionar com símbolos, e o Judiciário, ao tentar silenciar vozes, está criando mártires com uma eficiência que nem o melhor marqueteiro saberia planejar.

O problema é que quando a Justiça abandona o equilíbrio e assume o gosto pela punição, ela deixa de ser pilar e passa a ser palco. E palcos, como sabemos, são feitos para performance. Só que na política, performances têm consequências.

O povo pode não saber citar artigos da Constituição, mas sabe reconhecer quando alguém está sendo esmagado com gosto — e isso, na política, gera uma força mais poderosa que qualquer tese: a identificação. Débora virou símbolo não porque pediu, mas porque entregaram a ela o figurino e Michelle soube vestir a cena.

No domingo, o Brasil não assistiu apenas a uma manifestação — assistiu ao nascimento de um arquétipo, e se a esquerda continuar rindo do gesto, e o STF continuar esticando a corda, vão descobrir que, quando nasce um símbolo, um batom tem mais potência de mobilização do que mil sentenças, e que, quem não entende isso, mais cedo ou mais tarde será lembrado não pelos princípios que traiu — mas pelos símbolos que criou e ajudou a destruí-los.


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