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O Paradoxo da intolerância

Como a intolerância de quem busca tolerância promove a inversão de valores e gera uma sociedade cada vez mais extremista e intolerante.

Já está virando rotina e até um chavão dizer que existe, na sociedade atual, uma inversão de valores. Atualmente o bem anda tão esquecido e distante que o avanço da maldade tem sido notado e cada vez mais tolerado entre todos. O mal parece não causar mais tanto espanto. O resultado, óbvio, tem feito com que as pessoas deixem de enxergar limites, considerando o errado como certo, e o certo, muitas vezes, como errado.

Desde que o mundo existe, vivemos sob a égide da segunda lei da Termodinâmica, uma lei da física que aponta o fato de que qualquer sistema, se deixado por conta própria, tende a se desordenar. É o que a física chama de entropia. A Lei de Murphy é uma maneira de explicar essa relação, aplicando na realidade a ideia de que o que pode dar errado, tem a possibilidade de dar errado.

Antes de mais nada, é interessante perceber que, sempre que o homem é deixado sozinho, por sua conta, ele tende a tomar decisões ruins. A história comprova isso e nem precisamos pesquisar muito. Vivemos numa sociedade guiada pelas aparências e que valoriza mais o coleguismo do que a competência, um dos motivos, aliás, pelos quais elegemos representantes, na maioria das vezes, sem qualificação.

Não é raro nos depararmos com situações onde enfrentamos as mesmas tentações de relativizarmos as definições de bem e de mal, realizando coisas que julgamos, pouco tempo antes, perversas. Basta que os envolvidos na situação sejamos nós, algum familiar ou amigo, que a relativização se torna um atalho tentador. É fácil julgar quando é a vida do outro, mas quando somos nós tudo tem um porquê que busca justificar ou minimizar nossos erros.

Infelizmente, como resultado dessa inversão de valores, que já está impregnada na sociedade, a ética, a moral e a noção de ser humano se perdem no conceito de certo e errado. Do mesmo modo, é triste constatar que ninguém mais faz as perguntas mais básicas para tentar discernir o certo do errado. Isso acontece porque vivemos num mundo tão confuso por causa das milhares de vozes que tentam defender bandeiras advogando uma tal liberdade de expressão que o brasileiro ainda nem sabe direito o que é.

Liberdade de expressão tem um preço

Ainda não conseguimos entender, como sociedade, que liberdade de expressão vem com o preço de ter que conviver com opiniões contrárias, com valores diversos e que, obviamente, vão gerar visões de mundo diferentes. O que vemos é um bestialismo conceitual que vem transformando a sociedade brasileira numa espécie de lutadores de ideais, se digladiando num ring imaginário como se quem pensa diferente fosse inimigo. Isso não é defender liberdade de expressão. É defender que só determinado grupo tenha essa liberdade, e isso não é democracia.

Em pleno século XXI vemos empresas se metendo na opinião alheia, cometendo o disparate de forçar outras empresas demitirem funcionários por causa de uma opinião. Aí você me pergunta: Ah, Alisson, mas como tolerar uma opinião absurda daquela? Então, isso é sua? Bem, como dizer isso? É sua... opinião. E você tem o direito de tê-la. Assim como o outro tem esse direito.

Proibir ou 'cancelar' a opinião contrária não destrói o mal; apenas o oculta

Infelizmente, ainda não percebemos que, no jogo da narrativa da lacração, do cancelamento, do assassinato de reputações, perdemos o que a democracia tem de mais precioso ao promover exatamente o que tentamos destruir: o preconceito. Sim, quando você evita que o outro manifeste a própria opinião porque ela desagrada um grupo, as pessoas deixam de saber quem é esse outro e como ele pensa. Isso acaba impedindo que as pessoas realmente conheçam umas às outras, e escolham quem elas devem ouvir e com quem elas gostariam de estar junto.

Colocando de outra forma: quando você proíbe que as pessoas expressem suas ideias você oculta o mal, e a melhor forma de o mal prosperar é quando ele consegue se esconder. O Por quê? Simples, quando você não sabe que a pessoa e má, é mais fácil se tornar vítima dela. Por exemplo, se eu sei que determinado vizinho, familiar ou amigo é racista, eu posso decidir que não quero andar com essa pessoa, mas como saber isso se a pessoa não tem liberdade de expor a própria opinião?

Se eu souber que determinada pessoa diz que odeia gays pelo simples fato de serem gays, eu posso decidir não querer ter contato ou amizade com aquela pessoa. Só que, para eu saber isso, a pessoa precisa ter a tranquilidade de emitir a própria opinião sem medo de ser ridicularizada ou 'cancelada'. Quando isso não acontece, e todos precisam medir as palavras, acabamos criando uma área cinzenta na qual ninguém sabe direito quem é quem, e pisamos em ovos com todo mundo.

É na verdadeira liberdade que a luz denuncia o preconceito, o mal, a intolerância e tudo o mais que acompanha a perversidade dos tempos atuais, e é isso que os paladinos da tolerância não conseguem entender. Sabe por quê? Porque ainda não entenderam que opiniões não constroem valor sobre si. Se eu meço meu valor a partir da opinião do outro, é aí que me ofendo quando alguém discorda de mim. Isso não é liberdade de expressão. É a 4ª série do ensino primário. A maturidade precisa fazer com que percebamos nosso valor a partir de quem somos e do que fazemos, não a partir da opinião alheia.

Seja como for, o fato é que, quando o discurso gera essa camuflagem social, as fronteiras que dividem os valores ficam cada vez mais confusas e, quando o homem inverte seus valores, todo o resultado de suas ações termina com o resultado inverso. Dessa forma, acabamos comprometendo nossa saúde mental e, pior, o problema é que essa projeção começa no indivíduo, mas salta para o coletivo, ou seja, se um indivíduo inverte seus valores aqui, outro inverte ali, e mais outro lá, consequentemente a comunidade começa a experimentar essa inversão. A partir daí, o efeito cascata vai gerando consequências em todas as esferas.

Por exemplo, isso acontece quando um grupo resolve protestar por algum motivo e ateia fogo num ônibus. Quase todos ali precisam do ônibus para trabalhar, mas num arroubo de selvageria, tocam fogo no veículo. O resultado: no outro dia reclamam porque vão ter que esperar mais tempo por um ônibus para poderem ir trabalhar.

Entendeu a pegadinha? Nós sabotamos nossa própria vida. Quem mais perde com isso? Nós, como um todo, já que quem paga a conta sempre vai ser a sociedade.

O perigo de relativizar nossos valores é exatamente esse: acabamos sabotando nosso futuro as possibilidades de melhorarmos na vida. Precisamos realinhar os valores para que possamos viver melhor e entender que é na liberdade de todos se expressarem que podemos, realmente, isolar os intolerantes de verdade para construirmos uma sociedade mais justa e madura. Essa é a verdadeira forma de não tolerar os intolerantes.


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