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A presença da internet e das redes sociais já se tornou parte da rotina contemporânea, observando-se que podem ser consumidos produtos de qualidade. A novidade é que pesquisas recentes identificaram problemas mentais em quem não tira os olhos da tela e das besteiras ofertadas por elas.

Não por acaso, “podridão cerebral” é o termo do ano escolhido pelos filólogos do dicionário britânico Oxford. É uma brincadeira, mas ela reflete os tempos atuais no uso de conteúdos digitais, que têm levado a uma “suposta deterioração de estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material considerado trivial ou pouco desafiador – principalmente conteúdo on-line”.

A prova de que 2025 tem sido pródigo para criação de besteiras e que se aceita doses imensas de veneno digital é o consumo de vídeos com um tubarão calçado de tênis de marca conhecida recitando frases de xingamento religioso; do Bombardiro Crocodilo – um avião bombardeiro militar com bico de crocodilo e da Ballerina Cappuccina – uma bailarina com cabeça de xícara. O conjunto hilário de besteirol gerou 1 bilhão de likes ou curtidas.

Tendências de suicídio entre jovens de 9 a 14 anos, que se declaram viciados eletrônicos com grande dificuldade de deixar de lado aparelhos portáteis, foram publicadas no periódico The Journal of the American Medical Association. Foram ouvidos 4 mil indivíduos nos EUA. Pensamentos suicidas ou atos de automutilação acontecem de duas a três vezes mais nos adolescentes com uso viciante das telas do que os conseguem ficar off-line, ou desligados delas. Vídeos curtos e sem profundidade podem levar a uma espécie de ‘atrofia neuroplástica’ em que o cérebro acostuma com estímulos fáceis e perde a habilidade de lidar com tarefas mais complexas.

Numa pesquisa com adultos de 18 a 39 anos, na região de Boston – EUA, verificou-se que o uso do Chat GPT na escrita de textos que estimulam a cópia e a colagem, usa menos atividade cerebral e acaba prejudicando o pensamento crítico.

Numa pesquisa feita na Norueg, a atividade elétrica cerebral de universitários que escreveram à mão foi mais intensa do que daqueles que usaram a digitação. A escrita à mão, uma habilidade básica de atividade motora e neural está se perdendo com o uso excessivo das telas.

Priorizar estímulos imediatos de filminhos breves deteriora a memória de longo prazo: “O cérebro começa a priorizar apenas o agora, o estímulo imediato e deixa de organizar ideias mais complexas”, diz um pesquisador. As informações não são consolidadas, mas descartadas tão rapidamente quanto recebidas – são estímulos neurais fragmentados que chegam, causam impacto e se dissolvem, o que gera a infantilização do pensamento.

Na prática, há regressão nas capacidades de análise e abstração, há dificuldade de lidar com textos mais longos, vídeos com informações e discussões complexas e até de encarar conversas que exigem raciocínio em cadeia ou em sequência. Já é um problema de saúde pública.

Na Europa e nos EUA já existem processos contra grandes empresas acusadas de produzir dependência de propósito. Ao final de 2023, procuradores de 42 estados americanos moveram ações contra a Meta, o Tik Tok, o Google e o Snapchat por induzirem crianças e adolescentes a grudar nos vídeos curtos. Denunciaram que os algoritmos das plataformas seriam projetados deliberadamente para explorar fraquezas cerebrais e causar dependência. 

O debate sobre o assunto já alcança força institucional. No Brasil, tramita um projeto de lei no Congresso para a transparência dos algoritmos, a proibição de publicidade dirigida a jovens – em paralelo à responsabilização dos danos causados a menores de idade por determinação do Supremo Tribunal Federal. 

Somos o segundo país no mundo com maior tempo gasto em redes sociais de pessoas entre 16 e 64 anos, com média diária de 3h38min. Existem muitos abaixo desta média e, por outro lado, muitos que a extrapolam, em casos de 7, 10, até mais horas; numa espécie de escravidão digital.

Na Holanda, recomenda-se oficialmente que as crianças menores de 15 anos não usem Tik Tok nem Instagram e na Austrália o banimento total de celulares em escolas públicas tornou-se política nacional.

Aqui, desde 2025 há uma lei que restringe o uso de celulares em escolas públicas e privadas de todo o país. Espera-se que isso contribua para um ambiente escolar mais saudável, com menos distrações e maior cuidado na aprendizagem.

O mundo digital veio para ficar e cada vez mais ser parte do cotidiano. Mas não podemos ser escravos dos algoritmos. Se invocamos o direito de nascer e chegamos até aqui, temos o dever de valorizá-lo. Sendo racionais, podemos detectar os perigos digitais: uso excessivo e consumo de conteúdos irrelevantes ou mentirosos - que são viciantes

Ninguém morre se der uma olhada em vídeos rápidos e tolos. Mas que seja rápido, pois não se pode ignorar que há vida fora das telas, que a vida pulsa aqui e agora e convida para ser experimentada. 

Deixar-se amarrar à vida digital pode matar aos poucos nossa disposição, interferir negativamente em nosso self – onde estão as predisposições de comportamento e nossa consciência como indivíduos.

A vida chama para sentir o ar, o calor do sol, ouvir o canto dos pássaros, o barulho da chuva, do riacho, contemplar o pôr do sol, encontrar pessoas, interagir com o mundo. Talvez escrever à mão... Resistir. Resisto, logo existo. Todos e cada um devem se dar o direito de existir!

Fonte pesquisada: Veneno Digital – texto por Lígia Moraes. Revista Veja de 4 de julho de 2025. São Paulo-SP. Ed. Abril.


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