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Especial Aniversário de Lages

A pesquisa e leitura histórica revelam fatos oficiais, registrados em arquivos públicos, os quais descortinam um passado social e politicamente dinâmico

A pesquisa e leitura histórica revelam fatos oficiais, registrados em arquivos públicos, os quais descortinam um passado social e politicamente dinâmico. Porém para se chegar a isto é preciso garimpar as informações e contextualizar os fatos. Inicia-se com esta reportagem “Lages histórica: bem antes de Antonio Correia Pinto”, uma série de textos de pesquisa, originados de Trabalho de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em Língua Portuguesa, na Uniplac, intitulado “Leitura Comparada da História de Lages”, escrito pelo jornalista Iran Rosa de Moraes

 Trinta e dois anos antes da Fundação da Vila de Nossa Senhora dos Prazeres, por Antonio Correa Pinto de Macedo, fazendeiros portugueses já criavam gado, mulas e cavalos nos “campos das Lages”. A prova disso encontra-se registrada no Arquivo Público para os Boletins do Arquivo Municipal de Curitiba.

A prova documental, que na verdade se constitui no registro de uma marca de gado, requerida pelo proprietário da histórica fazenda “Sam Felippe”, Torquato Teixeira de Carvalho, encontra-se em meio às transcrições feitas entre os anos de 1906 a 1932, as quais compõem 62 volumes de documentação histórica, trabalho este editado pelo genealogista e historiador paranaense Francisco de Paula Dias Negrão.

Segundo a genealogista lageana Tânia Arruda Kotchergenko, que encontrou esse registro de marca de gado durante pesquisa naquele Arquivo Público, dos 62 volumes existentes, apenas os primeiros sete foram publicados (volumes de 1 a 7), considerados os mais raros. A publicação só se tornou possível em decorrência de já ter passado 70 anos da morte do autor das transcrições originais, Francisco Negrão. A intenção do Arquivo Público destaca a genealogista, é disponibilizar os 62 volumes, editando, futuramente, o boletim com novos números e documentos.

Portanto, em 1744, já existia nos “campos das Lages”, a fazenda “Sam Felippe”, de propriedade do sargento mor Torquato Teixeira de Carvalho, sendo que o registro da histórica marca de gado foi requerido por Francisco Carvalho da Cunha que era procurador de Torquato.

O pedido desse registro foi despachado pela Câmara de Curitiba em 29 de fevereiro de 1744 e posteriormente registrado pelo escrivão Manoel Borges de S. Payo em 10 de março daquele mesmo ano. A marca registrada constituía-se em um número 3 tendo sobre ele o número 1 com um rabisco. Conforme registrado, a fazenda “Sam Pelippe” localizava-se no “Certam das Lages”, então “destrito da Villa de Curitiba”.

Outro importante documento oficial, registrado e arquivado, e de livre acesso a pesquisadores e historiadores, o qual situa também Lages na geografia do “território português” e à jurisprudência da “Villa de Curytiba”, reporta-se a fatos ocorridos entre 1746 e 1762 registrados na certidão emitida em 12 de março de 1767 por Antonio Francisco Guimarães (escrivão da Câmara, e Órfãos, e mais Anexos, de Curitiba).

Este, especificamente, trata-se de certidão lavrada por conta de requerimento do capitão-mor Antônio Correia Pinto de Macedo, feito diretamente ao rei D. José I (de Portugal), para esclarecimentos de assassinatos cometidos no sertão de Lages e regiões circunvizinhas.

Esta certidão foi transcrita por Romário Martins, em “Lages - Histórico de sua fundação, até 1821 – Documentos e Argumentos”, publicação feita em Curitiba pela Tipografia da Livraria Econômica Aníbal Rocha & C, em 1910.

Ainda mais antigo, e que igualmente consta na obra de Romário Martins (folhas 19 a 21), é o documento na época denominado de "Attestaçao" - emitida em 14-03-1767 pelo juiz ordinário Curitiba, Sebastião Teixeira de Azevedo. Quem a requereu foi o capitão Miguel de Ribeiro Ribas, residente em Curitiba, com o objetivo de se dirimir dúvidas sobre o devido limite territorial, ao Sul, da Capitania de São Paulo (extinta em 1748 e restaurada em 1765). Tal certidão visava legitimar a fundação da nova Vila de Nossa Senhora dos Prazeres das Lages (em 1766), certificando com provas documentais que os “campos das Lages” sempre estiveram inseridos no território da capitania paulista. Não só havia dúvidas, quando a isto, como certo litígio viria à tona mais tarde, entre o capitão-mor Antonio Correia Pinto de Macedo e o capitão Pedro da Silva Chaves (rico fazendeiro da Capitania de São Pedro). Prevalecia, na “attestação”, a comprovação de que o limite real entre as duas capitanias era o rio Pelotas, em cujas cercanias o novo governador paulista Morgado de Mateus incumbira Correia Pinto de fundar uma Villa.

Portanto, os registros em cartório atestavam fatos (incluindo assassinatos, mortes naturais e até uma excomunhão) ocorridos na “paragem de Lages”, na qual habitavam fazendeiros portugueses desde, pelo menos, a década de 1740. E dentre esses pioneiros, ali estabelecidos, estavam Francisco Carvalho e Bento Soares.

Mais tarde se estabeleceria ali o fazendeiro Antonio Correia Pinto de Macedo, o qual também era proprietário de fazenda no distrito de Serra, este do outro lado do Pelotas, pertencente ao território da “Freguezia de Santo Antonio da Patrulha” (abrangia a sesmaria dos Ausentes), na Capitania de São Pedro do Rio Grande.

Quem foi o proprietário da fazenda “Sam Felippe”?

Torquato Teixeira de Carvalho era natural de Portugal, filho de Antonio Gaspar e Maria de Carvalho. Fixou Residência na Vila de Santos após vários anos de serviços prestados à Coroa Portuguesa tanto em sua terra natal como no Brasil (Minas Gerais). Foi sargento mor da Fortaleza Itapema da Vila de Santos. Casou-se com Luiza dos Reis, filha de João Francisco Coelho e Lourença dos Reis (com descendência em Santos).

Não foram encontrados documentos que comprovem a presença em Lages de Torquato ou de seus filhos. O que se tem documentado é a presença de seu neto, o tenente João Batista da Silva Costa, natural de Santos, e filho do capitão Ignácio da Silva Costa e Gertrudes Eufrásia dos Reis.

O neto de Torquato tem presença documentada em Lages desde 1772. Ele foi oficial reformado da tropa paga da Capitania de São Paulo, inspetor do Registro de Canoas e proprietário da fazenda das Tijucas, em Lages.

E o procurador de Torquato, quem era?

Segundo o Arquivo Público Mineiro (S.C. 101-B p. 107), Francisco Carvalho da Cunha foi morador dos “Campos de Vacaria”, tendo recebido carta de Sesmaria (“três léguas de comprido por 1 de largo”). Terras integrantes da Sesmaria dos Ausentes. Na carta concedida por Gomes Freire de Andrade, em 17 de junho de 1754, consta que Carvalho da Cunha “havia povoado uma fazenda com casas, currais, assim vacuns como cavalares”, na paragem chamada “Saída dos Conventos, distrito da Villa de Laguna”.

Já de acordo com informações oficiais publicadas em Viamão-RS, Francisco Carvalho da Cunha, em 1741, havia se estabelecido nos campos de Viamão, no sítio chamado Estância Grande, onde ergueu capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição.

 

Pessoas e fazendas existentes em Lages antes de 1766

Existiam nos “sertões de Curitiba”, na “paragem de Lages”, antes de 1766, ano em que foi fundada a Vila Nossa Senhora dos Prazeres, 16 fazendas, nas quais viviam 82 pessoas. Na mesma época existiam outras 17 fazendas no “destrito de Vacaria” e mais 18 em “Sima da Serra do Viamão”, conforme lista elaborada pelo capitão Pedro da Silva Chaves remetida ao governador do Rio Grande em 28-10-1766, ou seja, em data anterior a chegada oficial de Correia Pinto para fundação da Vila das Lages em 22-11-1766.

Na lista das fazendas lageanas, publicada por Tânia Arruda Kotchergenko em 9 de abril de 2009, no portal lageshistorica.blogspot.com.br, aparecem os nomes de Correia Pinto, Bento Soares da Motta, Manoel da Silva Ribeiro, Bento do Amaral Gorgel, Antonio Marques Arzão, entre outros, num total de 16 proprietários.

O nome do fazendeiro Torquato de Carvalho (da fazenda “Sam Felippe”) e o nome de Francisco Carvalho da Cunha não aparecem na lista elaborada por Pedro da Silva Chaves em outubro de 1766. Porém, na "Attestaçao" - emitida em março de 1767 pelo juiz ordinário de Curitiba, Sebastião Teixeira de Azevedo, registra-se que: “(...) táobem fundando nas ditas Lagens as primeiras Fazendas Bento Soares e Francisco de Carvalho (...)”.

Mas a ausência de Torquato de Carvalho e de Francisco Carvalho da Cunha naquela histórica relação de fazendeiros pode ser compreendida quando se lê “(...) demarcando a divizão daquella Comarca com a de Curitiba pela Fazenda velha do de Funto Carvalho nos sobreditos campos das Lagens no anno de 1748 (...)” (COSTA, 1982, p. 42).

Por fim, o que se pode deduzir dos registros documentais, aqui arrolados, de modo especial, é que havia sérias controvérsias na questão dos limites territoriais das capitanias de São Paulo e de Rio Grande de São Pedro, e que não deve ter sido muito fácil para Correia Pinto administrar a Vila de Nossa Senhora dos Prazeres das Lages.

Lista de 1766               

Na lista onde aparecem os nomes dos fazendeiros lageanos e o número de pessoas que moravam em cada uma das 16 fazendas existentes nos “campos das Lages”, mais precisamente nos “arredores” de onde Correia Pinto fundaria a Vila, nota-se que Bento Soares da Motta possuía duas propriedades, sendo que numa delas residiam três pessoas e noutra cinco.

1. Feliz Joze Pereira (20 pessoas)

2. Joaquim Joze Pereira (3)

3. Antonio Joze Pereira (4)

4. Joze Raposo Pires (5)

5. Antonio Correia Pinto (10)

6. João Antunes Pinto (2)

7. Antonio Gonçalves de Padilha (5)

8. Francisco Jozé (3)

9. Simão Barbosa (2)

10. Manoel Barbosa (3)

11. Bento Soares da Motta (3)

 

12. Bento do Amaral Gorgel (3)

13. Antonio Marques Arzão (2)

14. Manoel da Silva Ribeiro (7)

15. Joze Bezerra do Amaral Gorgel (5)

16. Bento Soares da Motta (5)

 Avanço de Territórios

Com a extinção da Província de São Paulo, em 1748, estancieiros e sesmeiros estabelecidos nos campos de “Sima da Serra do Viamão - Freguezia de São Francisco de Paula”, entre os quais o coronel Cristóvão Pereira de Abreu, o capitão Pedro da Silva Chaves, assim como governadores da Capitania de São Pedro do Rio Grande, estiveram “livres”, por décadas, para estender suas “jurisdições” para além dos rios Pelotas e Caveiras.

De acordo com Oliveira (1996, p 218), Chaves, rico fazendeiro elevado ao posto de capitão de ordenanças em 1754, com certeza pretendia dominar o caminho das tropas que descia do Viamão em direção à feira de Sorocaba-SP, cruzando pelos “campos das Lages”. E até que o Morgado de Matheus restabelecesse a governança da Capitania de São Paulo, em 1765, as tropas de Chaves tiveram 17 anos de trânsito pela região de Lages.

Além do mais, a “Freguezia de Viamão” foi sede do governo da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul depois que houve a invasão da Vila de Rio Grande pelos espanhóis, em 1763, permanecendo nesta condição até que fosse definitivamente transferida para Porto Alegre, dez anos depois.

É de se imaginar, portanto, o grande poder de influência que teve o capitão Pedro da Silva Chaves, no período 1763-1773, sobre os governadores do Rio Grande. E neste contexto histórico, as “intrigas” entre o capitão-mor Antonio Correa Pinto e o capitão Pedro da Silva Chaves, tornam-se, assim, de fácil compreensão. Mas, para isso, é preciso uma “leitura comparada da história de Lages”.


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