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Alzheimer: A doença que não derrama uma gota de sangue, mas que faz profundas cicatrizes no cérebro

Conheça a história da dona Maria Francisca Antunes, de 72 anos, que foi diagnosticada com demência em julho de 2021

O dia 21 de setembro foi escolhido pela Associação Internacional do Alzheimer como Dia Mundial de Conscientização da Doença de Alzheimer, para fortalecer a divulgação de informações sobre os principais sintomas, formas de tratamento e aconselhamento para os familiares dos pacientes. No Brasil, a Lei 11.736/2008 instituiu Dia Nacional de Conscientização da Doença de Alzheimer.

Para debater e mostrar a realidade da doença no dia a dia de uma família, vamos contar a história da dona Maria Francisca Antunes, de 72 anos, mãe de quatro filhos, avó de oito netos e bisavó de três bisnetos. Ela ficou viúva em fevereiro de 2021 e, em julho do mesmo ano, recebeu o diagnóstico de demência.

Conforme a filha, Eliane Antunes, treinadora comportamental e palestrante, a família começou a perceber os primeiros sinais da doença há 20 anos, porém no começo, era demência, e hoje sim, o Alzheimer. “Hoje, com base em todas as informações, conversas e relatos que compartilhamos com pessoas que vivenciaram ou estão vivenciando essa situação, além dos estudos realizados, verificamos que os primeiros sinais da doença podem aparecer até 20 anos antes do diagnóstico. Ao olhar para trás, percebemos que os primeiros sinais de demência na mãe surgiram há cerca de 20 anos, embora, na época, não tivéssemos a compreensão de que aquilo já era um sinal”, disse ela.

Os primeiros sintomas, segundo Eliane, foram alucinações seguidas de lapsos de memória e confusão mental. “Notamos também que ela já não conseguia mais gerenciar seus próprios medicamentos. Com o tempo, o desequilíbrio mental tornou-se evidente”, acrescentou. 

Ainda no início dos primeiros sinais procuraram um especialista. Primeiro consultaram com um médico psiquiatra, seguido por um neurologista, depois outro neurologista e, por fim, mais um psiquiatra. Segundo Eliane todos com o mesmo diagnóstico, a demência. Somente no ano passado, quando dona Maria ficou muito debilitada, que a família levou a outro neurologista. “Após muitos exames, a constatação que a demência agora tinha nome – Alzheimer”, contou Eliane.


Mudança da rotina

Após o diagnóstico do Alzheimer, a família tentou manter a rotina da dona Maria normal como sempre foi, mas algumas situações precisaram ser alteradas com a evolução da doença, como por exemplo, a administração dos remédios. 

“Ela já não conseguia tomar certo, fazia muita confusão,  estava tomando  remédio em duplicidade para a mesma doença.  No primeiro momento, utilizei aquela caixinha de remédio com dosagem semanal, mas não funcionou. Depois fiz a utilização do diário, também não deu certo ela começou a trocar os remédios da noite pelos do dia. Então passamos a administrar de manhã e à noite, entregando na mão.  

Outro fator na mudança da rotina foi ao observar que a fatura da água estava vindo com valor dobrado. Desta forma, Eliane e os irmãos começaram a observar quando ela ia ao banheiro, ela esquecia de fechar a torneira. Aí os irmãos trocaram por uma torneira automática. 

“Retiramos a chave da porta do banheiro depois de um episódio de extrema agressividade. Um dia ela estava muito irritada e agressiva, observamos que ela estava com uma tesoura embaixo do travesseiro, retiramos também todas as facas e tesouras da casa.  Cada dia é uma situação nova, desafiadora,  que tentamos nos adaptar”, disse Eliane. 

As camas e travesseiros que ela dorme tem proteção para a troca ser higiênica e manter um ambiente agradável, limpo e cheiroso. “No período da noite, quando se vai dormir, é retirada a chave da fechadura, pois tivemos uma situação de ela acordar às 3 horas da manhã e sair para a rua.  O botijão de gás também tem que ser desligado, já tivemos um pequeno susto. Todas as situações que vão ocorrendo nós vamos fazendo as adaptações para podermos viver uma normalidade”, relatou.


Estágio

A Doença de Alzheimer costuma evoluir para vários estágios de forma lenta e inexorável, ou seja, não há o que possa ser feito para barrar o avanço. A partir do diagnóstico, a sobrevida média das pessoas acometidas por Alzheimer oscila entre 8 e 10 anos. O quadro clínico costuma ser dividido em quatro estágios:

Estágio 1 (forma inicial): alterações na memória, na personalidade e nas habilidades visuais e espaciais;

Estágio 2 (forma moderada): dificuldade para falar, realizar tarefas simples e coordenar movimentos. Agitação e insônia;

Estágio 3 (forma grave): resistência à execução de tarefas diárias. Incontinência urinária e fecal. Dificuldade para comer. Deficiência motora progressiva;

Estágio 4 (terminal): restrição ao leito. Mutismo. Dor à deglutição. Infecções intercorrentes.

Dona Maria hoje está no estágio 3. Eliane contou que um simples banho é uma atividade desafiadora para um dia normal.  Ela esquece que comeu a refeição do café ou do almoço e quer repetir  novamente. “Tem dias que ela não reconhece a casa e quer ir embora. Todas essas situações são o novo normal”.  


Agora

Com a doença, a família mantém uma rotina normal, com suas limitações e gerando uma qualidade de vida boa e confortável à dona Maria. Eles procuram manter uma rotina organizada, para não deixar ela irritada e também para facilitar a vida de quem está cuidando.

Momentos do café, almoço, pegar um sol, assistir televisão são parte da rotina. Já o caminhar, se tornou uma atividade descartada, pois ela tem muita dificuldade, e sair de casa, para a família, é um processo muito difícil.  “Antes ela fazia crochê, tricô, jogava cartas, hoje estas atividades são incompatíveis com o avanço da doença”, destacou.

Uma terapia que a família utiliza no dia a dia é a pintura de desenhos infantis, música e também a utilização de ursinhos de pelúcia para dormir.

Um exemplo dos ajustes é que as cartas de baralho foram trocadas pelo dominó. “Mas tem que ser feito de maneira que não provoque irritabilidade, então desenvolvemos um método. O  jogo é feito com  14 pedras  para cada participante, assim quem joga com ela orienta as cores da pedras que devem ser jogadas, e sabe qual as pedras que ela tem na mão e, sendo assim, orienta a pedra a ser jogada”


Desafios

Além dos desafios de cuidar de uma pessoa com Alzheimer, a doença também afeta profundamente os familiares, que muitas vezes enfrentam o luto antecipado, o estresse e as dificuldades para equilibrar a vida pessoal com as responsabilidades de cuidar.

“O desrespeito que sofremos de pessoas que não entendem a gravidade da doença é assustador, doloroso, com profundas agressões verbais dirigidas a mim e a meus irmãos. Simplesmente pelo fato da falta de entendimento do quê é a doença. Quem olha a mãe hoje, limpinha, bem corada, às vezes sorridente, de unha pintada, não diz que ela tem Alzheimer. Agora, acompanhe a rotina e veja o que acontece.  Uma frase que eu sempre falo: O  Alzheimer você não enxerga o sangue derramado, o derramamento é de lágrimas”, relatou Eliane.

Eliane ainda diz que a rede de apoio da família é pequena, se limita entre os quatro irmãos, que contam um com o outro para seguir em frente. “Felizmente, quando um de nós desaba, o outro permanece de pé. Já passamos por muito sofrimento, muitas lágrimas foram derramadas, e enfrentamos decepções profundas com a falta de empatia das pessoas. Mesmo assim, seguimos em frente. Muitas vezes, acabamos rindo das situações cômicas que acontecem — rimos para não chorar”.


Qualidade de vida

Como disse Eliane quem vê a Dona Maria, com cabelo arrumado, unha pintada, maquiada, muito bem cuidada, não diz que ela tem a doença, mas para que ela esteja assim, por tras, tem um cuidado e atenção muito especial. 

“Estamos fazendo o possível e o impossível para garantir uma qualidade de vida digna a nossa mãe. Contamos hoje com duas cuidadoras, uma diarista e os quatro irmãos que se revezam para ajudar nos cuidados diários. Os custos para manter a estrutura são caríssimos, não contamos com nenhuma ajuda. Levamos ela a cada dois meses ao médico para acompanhamento, exames e monitoramento dos remédios.  Fizemos adaptações na casa, fomos criando um ambiente controlado e seguro para ela e para quem cuida. Pois quem cuida também tem uma sobrecarga muito pesada e precisa de segurança.  Coisas simples como ter  pequenas quantidades de dinheiro em casa  não é possível, pois os episódios de ela  esquecer onde guardava e de acusar quem está por perto é muito traumático”. 

A regressão cognitiva da doença na dona Maria é muito grande, um médico especialista, no ano passado, já tinha alertado a família que estava muito acelerado. “Tem dias que chega a ser assustador, somente quem acompanha diariamente consegue entender o que estou falando. Por isso, cada dia é um novo dia, que não sabemos como ela vai acordar, então não tem como fazer planos. Um dia de cada vez”.

Com poucos anos de doença de sua mãe, Eliane já adquiriu experiência e estuda com frequência sobre a doença, por isso deixou uma mensagem, principalmente para os familiares, que além de procurarem informação, ao perceberem os primeiros sinais de doença em seu ente querido, que procurem ajuda rapido e urgente, pois mudanças de comportamento precisam ser investigadas e monitoradas. 

“O conselho que deixo aqui  é a prevenção. É e será o melhor remédio. Cuide da saúde física e principalmente da mental, incluir na rotina diária atividades físicas, exercícios de respiração e um cuidado especial com a alimentação. Corpo e mente precisam estar em equilíbrio. O que fazemos hoje vai ser para o nosso futuro e o futuro pode ser amanhã. E para isso algumas coisas são fundamentais: uma vida emocional equilibrada. Uma dica de leitura é o estudo da pesquisadora Lisa Mosconi, um estudo bem interessante que reporta que dois de cada três casos de Alzheimer são de mulheres, e fatores com a menopausa tem que ser observados e analisados, finalizou.


14 fatores de risco para as demências

Cerca de 45% dos casos de demência (o declínio de funções cerebrais como memória, raciocínio e linguagem) poderiam ser prevenidos se a população conseguisse eliminar um desses riscos:

1. Perda da visão

2. Poluição do ar

3. Isolamento social

4. Álcool em excesso

5. Obesidade

6. Hipertensão

7. Tabagismo

8. Diabetes

9. Sedentarismo

10. Trauma Cerebral

11. Depressão

12. Colesterol alto

13. Perda da audição

14. Educação deficitária

Fonte: https://www.thelancet.com/commissions/dementia-prevention-intervention-care


O que é a doença

Demência é um termo geral que engloba várias doenças neurodegenerativas que ocasionam a perda gradual de funções cerebrais. É uma condição crônica, progressiva (ou seja, piora com o tempo) e não tem cura, embora existam opções de tratamento. A doença de Alzheimer é um dos tipos mais comuns de demência — que em geral ocorre em idosos com mais de 65 anos, embora haja casos com pessoas mais jovens — e causa problemas de memória, linguagem, pensamento e comportamento. A condição recebeu esse nome do neuropsiquiatra que a identificou, Alois Alzheimer, em 1906.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 50 milhões de pessoas vivem com demência no mundo — e a projeção dessa entidade é que se atinja a marca de 150 milhões em 2050. No Brasil, um estudo revelou que ao menos 1,76 milhão de pessoas com mais de 60 anos vivem com alguma demência no país. Esse número tende a crescer ainda mais. A previsão é que se chegue a 2,78 milhões de brasileiros com demência no final desta década e a 5,5 milhões em 2050.

Fonte: Agência Senado


Desafios para encontrar a cura

O caminho para a cura não será fácil e, mesmo que essas teorias levem ao desenvolvimento de medicamentos, estas drogas podem falhar por outros motivos.

O Alzheimer é uma doença crônica de longa duração, provavelmente presente de 20 a 30 anos antes de os primeiros sintomas aparecerem.

Administrar um medicamento quando a pessoa se torna sintomática pode ser tarde demais para fazer a diferença.

Mas não temos a capacidade de fazer o diagnóstico 30 anos antes dos primeiros sintomas e, mesmo se tivéssemos, teríamos que considerar a ética de administrar um medicamento de longo prazo potencialmente tóxico a alguém que pode ou não ficar doente dali a três décadas.

Além disso, diferentemente do desenvolvimento de antibióticos, em que bastam alguns dias para os pesquisadores saberem se o medicamento funciona, a natureza crônica do Alzheimer requer testes longos e caros — de anos de duração — antes que seja possível obter uma resposta.

Esse tempo gasto é um impedimento adicional para o desenvolvimento de medicamentos.

Um último problema é que o Alzheimer pode não ser simplesmente uma doença. Na verdade, pode ser um conjunto de doenças semelhantes.

Felizmente, apesar de todos esses obstáculos, uma grande variedade de pesquisas fascinantes e encorajadoras estão sendo conduzidas em laboratórios de todo o mundo.

As conquistas da Ciência e da indústria farmacêutica sobre muitas outras doenças no século passado muitas vezes vieram com facilidade, como um fruto ao alcance da mão para ser colhido.

O Alzheimer não é uma fruta ao alcance da mão, mas sim a maçã no topo da árvore, e os cientistas terão que subir em vários galhos, muitos dos quais nunca foram alcançados, no caminho da cura. Mas vamos chegar lá.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation

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