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O Chile piscou, e é bom o Brasil prestar atenção

Coluna publicada no jornal impresso no dia 20/11

O Chile, aquele país que o brasileiro costumava usar como exemplo de estabilidade burocrática e cívica, acaba de mandar um recado que atravessa a cordilheira, cruza fronteiras e bate na porta das eleições brasileiras de 2026. O país andino acaba de chegar a um segundo turno de eleições presidenciais dividido entre Jeannette Jara, candidata de centro-esquerda com raízes comunistas, e José Antonio Kast, representante da direita mais dura, herdeiro confesso da lógica de Trump e Bolsonaro. O recado, porém, não é o duelo ideológico: são as razões de ele acontecer.

Isso porque, antes de ser um embate entre esquerda e direita, a eleição chilena é um retrato fiel daquilo que move — e aterroriza — o eleitor latino-americano hoje: medo. Medo do crime. Medo da imigração descontrolada. Medo da sensação de que o Estado perdeu o fio da meada. O problema é que, quando o medo domina, o eleitor não vota mais em sonhos. Ele vota contra os pesadelos.

No Chile, o crime organizado explodiu. Os homicídios aumentaram 140% em dez anos. Sequestros cresceram 76% desde 2021. O sicariato — palavra que parecia coisa de série mexicana — virou problema doméstico. A esquerda chilena, tal qual a brasileira, achou por anos que segurança pública era “pauta ultrapassada”. Que se tratava de exagero retórico. Que bastava repetir que “políticas sociais resolvem tudo”.

Enquanto o Estado piscou, o crime chegou, se estabeleceu e cresceu. Quando a esquerda percebeu a dimensão do estrago, Kast já tinha ocupado o território psicológico: a promessa de ordem. Contudo, cometeríamos um erro infantil se tratássemos a eleição chilena como uma migração natural à direita. E esse talvez seja o problema brasileiro. Não é isso.

Mais do que uma questão ideológica, precisamos entender que isso é a maioria silenciosa dizendo: “Chega. Não confio mais na fantasia.” E é exatamente nesse ponto que o Brasil deveria tremer.

O voto obrigatório foi uma novidade no Chile. Trouxe para o jogo milhões de eleitores que estavam fora do radar — gente comum, que não milita, não lacra, não faz dancinha, não briga na internet. No Brasil, essa “novidade” não existe. Mas existe algo ainda mais poderoso: a mesma maioria silenciosa. Aquela que não grita, mas que decide. Aquela que não aparece nas redes, mas aparece nas urnas. Aquela que não se guia pela estética da militância, mas pela brutalidade da vida real.

E essa maioria, no Brasil, está cansada. Cansada da esquerda que fala difícil. Cansada da direita que fala grosso. Cansada de quem promete revolução sem entregar nem manutenção. Enquanto isso, a esquerda brasileira ainda não sabe lidar com a crise de segurança. Seria ótimo para a direita, se ela não insistisse em se sabotar com suas trapalhadas de comunicação e problemas de ego. E enquanto os dois lados agem como se o país votasse pela retórica, quando o medo se torna um fator, as pessoas votam pela sobrevivência.

Quer ver o paralelo mais perigoso? No Chile, a direita só chegou forte ao segundo turno porque se uniu. Matthei e Kaiser, derrotados, jogaram seus votos em Kast sem histeria, sem mágoa, sem picuinha. Matemática pura. Política pragmática com P maiúsculo.

No Brasil, a direita insiste em fazer guerra santa entre si. Briga por microprotagonismo. Grita dentro de bolhas que já concordam. Faz prévias invisíveis em universos paralelos. Uma direita que se sabota com uma eficiência que a esquerda jamais conseguiria igualar.

Já a esquerda brasileira, essa se especializou em negar a pauta que o povo sente na pele, negando a realidade e trilhando a mesma fórmula do fracasso. No fim, parece que cada lado se esforça bravamente para perder a eleição. E o Chile está mostrando exatamente isso: quando os políticos brigam, o eleitor vota no mais simples, mais direto, mais duro, aquele que promete ordem.

E aqui chegamos ao recado mais incômodo: a eleição chilena revela que os latino-americanos não querem mais salvadores, querem garantias. E não querem discursos de palanque, querem explicações simples. Não querem ideólogos, querem gente que os tire vivos da próxima década.

Se a direita brasileira continuar refém de trapalhadas internas repetirá o fracasso que quase sepultou Kast nas eleições passadas. Se a esquerda brasileira continuar negando o crime, a insegurança e o custo de vida, seguirá triturando a própria credibilidade.

O Chile não é uma profecia, é um aviso. E, como todo aviso, só serve para quem tem ouvidos.
Não é a militância que vai decidir 2026. Não é o meme. Não é a lacração. Não é o choque moral. É a maioria silenciosa, a grande força política do século XXI.

A eleição não vai ser sobre esquerda ou direita. Vai ser sobre quem entende o medo e a realidade do povo. Sobre quem fala a língua do cidadão comum. Sobre quem entrega ordem antes de entregar utopia. E sobre quem para de brigar com seus aliados e começa a conversar com o país real.

Porque, no fim, a América Latina não vota mais em esperança. Vota contra o desespero. O Chile acabou de piscar. O Brasil faria bem em prestar atenção.

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