
Em 1995, um jovem universitário, ajudante de mecânico industrial, comprou seu primeiro carro. Um Opala azul-metálico, seis cilindros, duas portas... um sonho! Mas a realidade bateu forte: ao ver a placa do posto anunciando “Gasolina R$ 1,00”, a ficha caiu. “Tô falido!”, pensou ele, sem nem imaginar que décadas depois continuaria ouvindo essa mesma ladainha a cada aumento do combustível.
Pois bem, querido leitor, continuando nossa série sobre verdades inconvenientes vamos entender se a gasolina realmente merece a fama de vilã... ou se fomos enganados esse tempo todo.
Em 1995, o salário mínimo era de R$ 100,00. Em 2002, dobrou para R$ 200,00. No mesmo período, a gasolina passou de R$ 1,00 para R$ 1,57, ou seja, um aumento de 57%. Essa tendência de dobrar o salário a cada sete anos, mais ou menos, se manteve: em 2010, ele estava em R$ 510,00; em 2017, R$ 937,00; e hoje, em 2024, está em R$ 1.412,00. Já a gasolina, no ano passado, custava cerca de R$ 6,15 o litro.
O que isso significa? Entre 1995 e 2024, o salário mínimo aumentou 1.312%, enquanto a gasolina subiu 519%. Sim, você leu certo: se a gasolina parecesse uma vilã, o salário seria um super-herói disfarçado.
Mas e outros produtos? O feijão e o arroz seguiram uma lógica parecida com a da gasolina. A carne moída de segunda subiu tanto que hoje parece uma iguaria gourmet. Mas o troféu da inflação vai para a moto Honda CG125, que custa hoje 8x mais que em 1995. Isso tudo reflete a baixa produtividade da indústria brasileira: simplesmente não produzimos bens duráveis suficientes para atender à demanda. E, como você sabe, quando a procura é maior que a oferta, os preços disparam.
Agora, precisamos incluir outro fator nessa conta: a inflação acumulada. Se considerarmos 1995 como ponto de partida (zero de inflação acumulada) e somarmos os índices anuais, chegamos a 2024 com um acumulado de 432%. Isso significa que, teoricamente, a gasolina que custava R$ 1,00 em 1995 deveria custar hoje cerca de R$ 5,32 e não os seis reais mencionados. Isso explica parte da nossa indignação, mas esse aumento deveria ter sido compensado pelo crescimento ainda mais expressivo do salário.
Ainda mais porque sabemos que o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil, que em 1995 era de R$ 1,08 trilhão, chegou a R$ 10,5 trilhões em 2024 — um crescimento de 866%. Ou seja, o PIB cresceu mais que o dobro da inflação.
A economia não é uma ciência exata, mas sim humana. Logo, a resposta para essa sensação de perda de poder de compra, mesmo com o aumento do salário mínimo, é muito mais complexa e envolve:
✔ Aumento do custo de vida (muitos outros produtos que não estão descritos aqui);
✔ Mudanças nos padrões de consumo (quanto mais se ganha, mais se gasta);
✔ Desigualdade de renda (somos um dos países mais desiguais do mundo);
✔ Impacto desigual da inflação — que pesa mais sobre os mais pobres (assim como a alta do dólar);
✔ Maior acesso ao crédito e endividamento das famílias.
Em 1995, o déficit habitacional e a frota de veículos eram muito maiores do que hoje. À medida que mais pessoas passaram a comprar casas e carros, aumentaram o consumo e, consequentemente, o endividamento. Ressaltando de novo nossa baixa produtividade e o consequente preço absurdo que pagamos por eles.
Agora, se você sentiu que falta algo nessa história, acertou. O endividamento do governo não pode ficar de fora. Em 1995, a relação entre dívida pública e PIB era de 30%. Em 2010, passou para 59%. No ano passado, estava em 77%. Esse aumento significativo da dívida explica em grande parte por que o governo tem dificuldades para investir adequadamente em áreas essenciais, como saúde, educação, transporte e habitação. Também explica a ganância por mais impostos, o que, por sua vez, gera mais inflação e reduz o dinheiro no bolso da população. O ciclo se repete.
Esse descontrole fiscal, somado às intervenções do Estado que nem sempre resultam no melhor cenário (mesmo que bem-intencionadas), às reformas estruturais inexistentes (nosso custo de produção da bendita CG125 é inacreditável) e à burocracia infinita, desenham um cenário complicado — mas não irreversível.
Conclusão? Se há um conselho que posso deixar, ele é simples: estude, qualifique-se e aumente sua produtividade. Porque, no fim das contas, a gasolina não é a vilã da história. O problema é outro. E se você quer sair desse ciclo, precisa dirigir sua própria rota. E, de preferência, com o tanque cheio.
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